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Espaço LusofoniaChico Buarque e Paulina Chiziane recebem Prémio Camões referentes aos anos 2020 e 2021

Chico Buarque e Paulina Chiziane recebem Prémio Camões referentes aos anos 2020 e 2021

“Valeu a pena esperar por esta cerimónia”, na véspera do 25 de Abril.

Quando Tom Jobim escreveu a Chico Buarque, “mestre da língua, cabelos negros, olhos de gatão selvagem

Mário Lopes

Em outubro de 1989, Tom Jobim escrevia desde Nova Iorque uma carta a Chico Buarque. Iríamos encontrá-la reproduzida no início de Tantas Palavras, livro que reúne as letras das suas canções e que teve em Portugal 2.ª edição, em 2018, pela Companhia das Letras.

No dia em que Chico Buarque recebeu o Prémio Camões com que foi distinguido em 2019, aqui a reproduzimos, encerrando assim este Ao Minuto de acompanhamento da cerimónia no Palácio Nacional de Queluz.

Chico Buarque, meu herói nacional. Chico Buarque, génio da raça. Chico Buarque, salvação do Brasil. A lealdade, a genialidade, a coragem.

Chico carrega grandes cruzes, sua estrada é uma subida pedregosa. Seu desenho é prisco, atlético, ágil, bailarino. Let’s dance! Eterno, simples, sofisticado, criador de melodias bruscas, nítidas, onde a Vida e a Morte estão sempre presentes, o Dia e a Noite, o Homem e a Mulher, tristeza e alegria, o modo menor e o modo maior, onde o admirável intérprete revela o grande compositor, o sambista, o melómano inventivo, o criador, o grande artista, o poeta maior Francisco Buarque de Hollanda, o jogador de futebol, o defensor dos desvalidos, dos desatinados, das crianças que só comem luz, que mexe com os prepotentes, que discute com Deus e mora no coração do povo.

Chico Buarque Rosa do Povo, seresteiro poeta e cantor que aborrece os tiranos e alegra a tantos, tantos…

Chico Buarque Alegria do Povo, até seu fox-trote é brasileiro. Zona Norte, Malandragem, Noel Rosa, Sinuca, Neruda, Futebol, tudo canta na tua inesgotável Lyra, tudo canta no martelo.

Bom tempo, Bota água no feijão, Pra ver a banda passar, vem comer, vem jantar, menino Jesus, Dia das Mães, vou abrir a porta, Deus, Pai, afasta de mim esse cálice de vinho tinto de sangue. Chico também não evitou os assuntos escabrosos, sangue, tortura, derrame, hemorragia…

Houve um momento em que temi pela tua sorte e te falei, mas creio que o pior já passou.

Chico Buarque homem do povo

Fla Flu, calça Lee, carradas de razão

Mamão, Jacarandá, Surubim,

Macuco não, Pierrot e Arlequim

Você é tanta coisa que nem cabe aqui

Inovador, preservador, reincarnado, redivino

Mestre da língua

Cabelos negros

Olhos de gatão selvagem

Dos grandes gatos do mato

Olhos glaucos, luminosos

Teu sorriso inesquecível

Ó Francisco, nosso querido amigo

Tuas chuteiras caminham numa estrada de pó e esperança.

Tom Jobim, Nova Iorque – outubro de 1989

 

Público

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Paulina Chiziane recebe prémio Camões e pede descolonização da língua portuguesa

A escritora moçambicana Paulina Chiziane defendeu que a língua portuguesa, para ser de todos os povos que a falam, precisa de “tratamento, limpeza, descolonização”, dando como exemplo a maneira como algumas palavras surgem definidas nos dicionários.

Durante o discurso, depois de ter recebido o prémio Camões 2021, numa cerimónia em Lisboa, Paulina Chiziane partilhou que há na língua portuguesa “algumas especificidades” que fazem com que esta “por vezes” a “assuste”.

A escritora deu exemplos de definições que encontra em dicionários de Língua Portuguesa para algumas palavras, como catinga, “que vem como cheiro nauseabundo característico da raça negra”.

Fico muito triste quando olho para aquilo. Será que tivemos tempo de olhar para estas questões?”, disse.

Paulina Chiziane nomeou também matriarcado, que aparece definido como “costume tribal africano”, em contraposição com patriarcado, “tradição heroica dos patriarcas”.

“Em África temos matriarcado, sobretudo na região norte de Moçambique. É um costume tribal, deita fora, é coisa de africano. Mas patriarcado já tem valor. Que machismo é esse?”, questionou.

A escritora partilhou ainda “uma última palavra, mas há muitas”: palhota, “habitação rustica característica dos negros”.

“Está provado que palhota é habitação ecológica. A língua portuguesa para ser nossa precisa de um tratamento, de uma limpeza, de uma descolonização”, defendeu.

Paulina Chiziane, vinda “de lugar nenhum” e que “aprendeu a escrever na areia do chão” e usou “o primeiro par de sapatos com 10 anos”, mostrou-se hoje “muito feliz” por receber o Prémio Camões, “um prémio tão importante, exatamente no Dia Mundial da Língua Portuguesa”.

Para quem vem do chão, estar aqui diante do Governo português, do Governo brasileiro, do corpo diplomático e de várias personalidades é algo que me comove profundamente. Caminhei sem saber para onde ia, mas cheguei a algum lugar, que é este prémio“, disse.

Dos vários agradecimentos que fez, o maior foi para os seus leitores, “em Moçambique e em todos os países que falam português”.

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