No terceiro painel da Accounting Summit, a tecnologia foi o mote para falar de mais um dos grandes desafios da contabilidade: o aumento da produtividade do setor. Segundo um estudo internacional, a tecnologia aumenta a produtividade das empresas entre 20% e 30%.
“Os últimos meses puseram-nos à prova e mostraram que foi possível fazer em dois meses uma transformação digital que provavelmente só aconteceria em dois anos, segundo os planos de muitas empresas. Isso aconteceu pela necessidade, que foi uma grande impulsionadora desta transformação“, afirma Paula Panarra. A Diretora-Geral da Microsoft em Portugal foi a primeira oradora do terceiro dia de trabalho do Accounting Summit, evento realizado online e que conta com a participação de 20 especialistas que, durante cinco dias, debatem o futuro da contabilidade.
No painel dedicado ao tema «Tecnologia como Alavanca de Crescimento», Paula Panarra afirmou que, segundo um estudo realizado pela consultora BCG, cerca de 80% dos líderes empresariais em todo o mundo pretendem acelerar a sua transformação digital. Esse mesmo estudo revela que é possível obter poupanças de 15% a 25% com a implementação de soluções tecnológicas e que há agora consciência de que é necessário construir uma maior resiliência digital para alcançar uma melhoria dos resultados. Consegue-se, com a tecnologia, melhorar a produtividade entre 20 a 30%, uma maior agilidade no lançamento de produtos no mercado, que poderá rondar os 40% a 50%, e uma melhoria do lucro adicional antes de juros e impostos na ordem dos 12% a 20%. Assim, não só estes processos são prementes como são a melhor forma de acelerar o resultado das empresas, entre as quais as de contabilidade se incluem.
Portanto, para esta responsável, a pandemia veio impulsionar estas transformações, já que provou a importância da tecnologia através da capacitação do trabalho de forma remota, do ensino à distância, da capacidade do comércio online, da telesaúde e outros serviços que começaram a ser disponibilizados online.
Focar em novos modelos de negócio
Porém, e passada a fase de dar resposta a uma situação emergente, entrámos numa segunda fase, de recuperação e transformação dos negócios, como refere Paula Panarra. Para ela, esta é a altura certa para focar em novos modelos de negócio e encontrar novas oportunidades num mundo cada vez mais global. “A nossa missão é capacitar as empresas com a tecnologia necessária para esta resiliência. Temos hoje plataformas de cloud disponíveis como um serviço e pensadas à escala global, que permitem que empresas de qualquer dimensão consigam ter, hoje, acesso a elas“, explica Paula Panarra.
Nesta questão da tecnologia, há, segundo esta especialista, seis principais dimensões para as quais as empresas terão de olhar: o trabalho em equipa remoto, a segurança, a rápida adaptação e automatização, as vendas e os serviços digitais, o desenvolvimento remoto e a migração para a cloud. Focando-se apenas em três deles, Paula Panarra explica que, no caso do trabalho remoto, as reuniões online foram apenas o princípio, pois as empresas terão de ter em atenção que há outras potencialidades de colaboração remota, como ao nível dos fluxos de trabalho, e que exigem uma mudança da cultura da empresa. Esta nova realidade vem mostrar a importância da segurança e como é importante que empresas, colaboradores e informação estejam protegidos, até porque o cibercrime está a aumentar, afirma.
Relativamente à questão de vendas e serviços digitais, Paula Panarra diz que atualmente temos tecnologia ao dispor que permite chegar mais próximo do cliente, através de processos que podem ajudar a melhorar esta relação e fazê-la crescer. Remata dizendo que “a tecnologia está pronta para poder ser ela a alavanca de crescimento. Agora é preciso ser adotada pelas organizações, ter os recursos necessários para tirar o melhor partido dela e fazer acontecer a transformação digital“.
Tecnologia não resolve nada sem visão estratégica
Na segunda parte da conferência, o debate contou com três especialistas do setor: David Afonso, Vice-Presidente da Primavera BSS; Marco Costa, CEO da UWU; e Rui Henriques, Partner da EY.
David Afonso inicia o debate, moderado por Camilo Lourenço, explicando que a tecnologia está na base de muitos dos serviços prestados no serviço da contabilidade, e que, de facto, permite aumentar a produtividade. “Mas a tecnologia só por si não resolve todos os problemas, é necessário que haja drivers que permitam ser mais produtivo“, diz. Refere que, nos últimos anos, com a introdução de standards, melhoraram-se os níveis de integração entre escritórios e autoridade tributária, o que permitiu acelerar processos e evitar o erro humano. Desafiado com a questão se serão as pessoas dispensáveis, tornando-se este serviço uma “commodity”, este responsável afirma que é por essa razão que as empresas de contabilidade têm de subir na cadeia de valor e que os serviços financeiros se devem posicionar mais no apoio ao negócio. Por isso, haverá necessariamente uma transformação do negócio, que deixará de se basear numa economia de escala e passará a ser um negócio de contabilidade colaborativa. Para que o escritório de contabilidade se possa posicionar como um consultor é preciso que todas as entidades trabalhem numa relação suportada na tecnologia e será também esta o “enabler” para novos serviços.
Marco Costa afirma que “temos de esquecer os processos e focarmo-nos nas pessoas. Esta atividade focou-se muito, até aqui, nos processos, mas tem de ultrapassar a parte burocrática, trazendo valor para o cliente“, explica. Acrescenta que, muitas vezes, só se utiliza 10% da tecnologia disponível no ERP (software de gestão de processos), não se tirando partido de todas as suas funcionalidades. “Ainda há muita gente na contabilidade que tem medo de perder trabalho, e veem com receio a tecnologia“, afirma.
Rui Henriques, Partner da EY, explica que este tema da digitalização da informação financeira é inevitável, é um processo global que tem sido incentivado pelas autoridades tributárias mundiais no combate à fraude fiscal. “Todo este manancial de dados que os contabilistas dispõem devem ser utilizados para trazer valor ao cliente e assim tornarem-se verdadeiros parceiros de negócio“, afirma. Com ele concorda David Afonso que entende que a inteligência artificial não vai roubar trabalho aos contabilistas, mas antes lhes vai fornecer um mercado potencial, através das toneladas de dados que geram. “Os contabilistas poderão ser advisers do negócio ao analisarem estes dados“, diz, e assim poderem «prever» o futuro, fornecendo orientações estratégicas. E dá um exemplo: um negócio que cresce 10% ao ano está bem ou mal? Percebendo que o seu principal concorrente cresce 20%, então, se calhar não está assim tão bem.
Rui Henriques explica que a pandemia veio sensibilizar as empresas para este tema e que estas têm de perceber que não podem continuar a ter informação em servidores locais e em formato físico. “A pandemia trouxe necessidade de mudança. Há que alinhar estratégias e provavelmente o CFO deveria trabalhar de braço dado com o CIO, para definirem em conjunto a sua estratégia de transformação digital”, remata.
Outubro 2020