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Mundo das ComunicaçõesTaxas, publicidade ou dinheiros públicos. Como são financiados os serviços públicos de rádio e televisão?

Taxas, publicidade ou dinheiros públicos. Como são financiados os serviços públicos de rádio e televisão?

No caso português, a contribuição audiovisual e a publicidade permitem o funcionamento da RTP, serviço público de rádio e televisão. Mas e em outros mercados, como é assegurado esse financiamento?

Na última semana o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, confirmou que o governo quer rever o contrato de concessão da RTP, “algo que está atrasado há muitos anos”. Por outro lado, Nicolau Santos, presidente da RTP, defendeu que com os valores atuais da Contribuição Audiovisual (CAV) não vai ser possível continuar a manter oito canais de televisão e sete de rádio.

Periodicamente, algumas vozes, principalmente entre os operadores privados, levantam-se na defesa de que a RTP não devia concorrer por publicidade com os operadores privados, tal como defenderam os CEO da Impresa, Media Capital e Medialivre no Estado da Nação dos Media, debate organizado pela APCD no âmbito do 33.º Congresso das Comunicações em maio.

Há também algumas críticas quanto à obrigatoriedade do pagamento de uma taxa pelo serviço da RTP por todos os contribuintes, quer sejam ou não utilizadores dos seus serviços.

Recorde-se que o financiamento de toda a estrutura do operador público (canais de televisão e rádios) é assegurado através da CAV – que representa 80% do financiamento e cujo valor não é atualizado desde 2016 – e das receitas provenientes de publicidade (20%). A CAV é uma taxa que surge discriminada na fatura da eletricidade e que tem o valor mensal de 2,85 euros (3,02 euros, com IVA). Ou seja, por ano, são 36,24 euros.

Celebrado entre o Estado e a RTP, o contrato de concessão do serviço público de rádio e televisão atualmente em vigor data de 2015. Por altura da apresentação do Livro Branco sobre o serviço público de media, em maio do ano passado, a sua coordenadora Felisbela Lopes defendeu que o enquadramento legal e o contrato de concessão estão “desajustados da realidade”.

Contrato de concessão da RTP está desajustado da realidade

A RTP tem futuro, se quem tem responsabilidade política – tutela e parlamento – reunir as condições necessárias para o efeito, nomeadamente alterando o respetivo enquadramento legal e o contrato de concessão, hoje desajustados da realidade”, disse Felisbela Lopes na altura.

O serviço público na Europa

Mas e noutros países? Como é assegurado o financiamento das empresas responsáveis pelo serviço público audiovisual?

Em termos de publicidade, no caso da espanhola RTVE e da britânica BBC, os serviços não dispõem desta receita. Já a France Télévisions e a italiana RAI – caso mais parecido com o português, onde a taxa paga pelos consumidores também está indexada à fatura da eletricidade – contam com a publicidade para se financiarem, assim como acontece no caso das emissoras de serviço público na Alemanha.

Em França foi abolido recentemente o pagamento de uma taxa pelos contribuintes (financiamento da France Télévisions é feito através da alocação de uma parte da receita de IVA recolhida pelo governo francês). Em Espanha é o governo quem assegura o financiamento da RTVE, que conta ainda com um financiamento feito através de uma taxa sobre as receitas dos operadores de televisão paga sediados em Espanha. Já o financiamento da BBC é assegurado, essencialmente, através de contribuições dos cidadãos.

RTVE (Espanha)

No caso geograficamente mais próximo do português, a Corporación de Radio y Televisión Española (RTVE), em Espanha, conta desde 2010 com um financiamento feito exclusivamente através de subsídios públicos. Antes disso, o operador público espanhol beneficiava de um sistema de financiamento misto, composto por receitas provenientes da publicidade e por uma compensação do Estado espanhol para o cumprimento da sua missão de serviço público.

Com as alterações ao modelo de financiamento aprovadas em 2009 pelo governo espanhol, a publicidade deixou de constar no modelo de financiamento da RTVE, tendo sido estabelecidas medidas fiscais visando a compensação da perda dessa quantia, como a implementação de uma taxa sobre as receitas dos operadores de televisão paga sediados em Espanha.

Além disso, a lei instituída em 2009 prevê também que, caso as fontes de financiamento sejam insuficientes para cobrir a totalidade dos custos da RTVE no cumprimento da sua missão de serviço público, o Estado é obrigado a colmatar essa falta.

Em 2022, o El Economista referia que a RTVE – que integra sete canais de televisão e seis emissoras de rádio – estava cada vez mais cara e que “custava” mais de 20 euros anuais a cada espanhol. Já o La Vanguardia referia que as compensações do Estado pelo cumprimento de obrigações de serviço público ascendiam a um total de 530 milhões de euros para 2023, num aumento de 85 milhões face a 2022.

BBC (Reino Unido)

No caso da BBC (British Broadcasting Corporation), operadora pública de rádio e televisão do Reino Unido, primeiro país onde surgiu o conceito de serviço público de televisão, em 1926, o financiamento é assegurado, maioritariamente, através de contribuições dos cidadãos.

Por lei, e segundo a própria BBC, cada residência no Reino Unido deve pagar uma “licence fee”, anual e obrigatória para quem assiste a qualquer canal por meio de um serviço de televisão ou de streaming. Este ano o valor foi aumentado para 169 libras (cerca de 200 euros) e os consumidores podem optar por pagar esta licença de forma parcelada ao longo de 12 meses.

Esta licença deve ser paga por cada agregado familiar no Reino Unido que “assista ou grave programas enquanto eles são exibidos ao vivo em qualquer canal de televisão, assista a programas ao vivo em qualquer serviço de televisão online – por exemplo, Canal 4, YouTube ou Amazon Prime Video – faça o download ou assista a qualquer programa da BBC no BBC iPlayer”. No entanto, se não for usado o BBC iPlayer, o agregado não precisa de uma licença para assistir a conteúdos em canais de streaming como Netflix ou YouTube, desde que não sejam transmitidos ao vivo.

Estas regras são aplicadas independentemente de qual o dispositivo em que o conteúdo é visto, como televisão, computador, telemóvel ou tablet.

O pagamento desta licença representou cerca de 65% do total de 5,73 mil milhões de libras de receita da BBC em 2023, sendo que o restante foi resultado de atividades comerciais, doações, royalties e rendas. A BBC também recebe mais de 90 milhões de libras por ano do governo, quantia que visa apoiar o funcionamento do seu departamento.

A BBC, que conta com 13 canais de televisão, 17 rádios nacionais, oito rádios na Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte e 40 rádios locais, não conta com a publicidade como método de financiamento no Reino Unido.

O governo britânico já anunciou uma revisão quanto ao método de financiamento do operador para o futuro, sendo que o atual acordo em vigor expira no final do ano de 2027.

France Télévisions (França)

No caso Francês, a “redevance audiovisuelle“, ou seja a contribuição para o audiovisual que representava um encargo de 138 euros anuais para as famílias francesas, foi abolida em 2022. Esta contribuição era feita por todos aqueles que estivessem sujeitos ao imposto habitacional e que possuíssem uma televisão.

A abolição deste imposto foi uma promessa de campanha do presidente Emmanuel Macron, tendo a medida enfrentado diversas críticas por parte da oposição mais à esquerda. O montante amealhado através desta taxa passou a ser substituído pela alocação de parte da receita de IVA recolhida pelo Estado.

A France Télévisions, empresa responsável pelo fornecimento do serviço público de televisão em França (com cinco canais de televisão nacionais e 24 canais regionais), conta também com publicidade como forma de financiamento. A dotação pública para 2024 ascende a 2,57 mil milhões de euros num orçamento total de três mil milhões, segundo o Le Figaro.

RAI (Itália)

Em Itália, o financiamento da RAI (Radio Audizioni Italiane) é também suportado através de uma taxa aplicável sobre quem é possuidor, no local da sua residência, de um “dispositivo adequado ou adaptável à receção de emissões televisivas, ou qualquer dispositivo equipado com sintonizador para receção do sinal da antena”.

Esta taxa, conhecida como “Canone RAI” e que atualmente tem o valor de 70 euros, é cobrada na conta da luz de forma parcelada sempre que um membro da família em causa for titular de contrato de fornecimento de energia elétrica na casa onde reside. O valor de 70 euros é dividido em 10 parcelas de sete euros na fatura de eletricidade de janeiro a outubro (no caso das faturas mensais) ou de 14 euros em faturas bimestrais.

A RAI – que disponibiliza 13 canais de televisão e oito de rádio – conta também com publicidade como forma de financiamento. Em 2022, enquanto a receita total da taxa de licença da RAI foi de quase dois mil milhões de euros (1.946 milhões), a publicidade gerou um retorno total de cerca de 700 milhões.

Alemanha

Na Alemanha, as emissoras de serviço público incluem aquelas pertencentes à ARD (Associação das Emissoras de Radiodifusão do Direito Público da República Federal da Alemanha), o canal ZDF (Zweites Deutsches Fernsehen) e a Deut­schlandradio. Estas emissoras de “direito público” são financiadas através de receitas com origem em publicidade e de uma contribuição obrigatória por parte da população alemã, com a chamada “taxa de transmissão” (Rundfunkbeitrag).

No contexto alemão, cada casa tem assim de pagar um valor equivalente a 18,36 euros mensais, naquela que é vista como uma garantia de que estas emissoras mantenham a sua independência face a empresas privadas ou ao próprio Estado. Este valor pode ser pago de forma trimestral (55,08 euros), semestral (110,16 euros) ou anual (220,32 euros).

A taxa é paga diretamente à entidade responsável pelo serviço de contribuições (Der Beitrags­service) do serviço público de radiodifusão, que depois distribui as receitas entre as emissoras ARD (composta por nove canais), ZDF e Deutschlandradio. Em 2022, estas receitas totalizaram 8,4 mil milhões de euros.

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