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Mundo das Comunicações“Os media tradicionais têm uma oportunidade de se adaptar”

“Os media tradicionais têm uma oportunidade de se adaptar”

Sofia Vieira, diretora de Insights & Strategy do Havas Media Group, analisa as principais conclusões do estudo Meaningful Media e antecipa o que pode ser o consumo de media e a comunicação.

Os canais de televisão em sinal aberto e os motores de busca lideram o ranking de indispensabilidade por parte dos portugueses e a necessidade de entretenimento está a crescer, com o consumo dos serviços de streaming de vídeo a refletirem essa tendência. O top de credibilidade é encabeçado pelos canais de televisão em sinal aberto, pelos jornais e pela rádio. Pelo contrário, e apesar de muito procurados, os motores de busca e redes sociais são encarados como menos credíveis e geram elevados níveis de incómodo.

Estes são alguns dos dados do estudo Meaningful Media, produzido pelo terceiro ano consecutivo pelo Havas Media Group – com base em 600 entrevistas a pessoas residentes em Portugal Continental, com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos – e partilhado em primeira mão com o +M/ECO. Sofia Vieira, diretora de Insights & Strategy do Havas Media Group, que entre outras detém as agências Arena Media e Havas Media, analisa as principais conclusões e olha, neste contexto, para o que pode ser a evolução do consumo de media e da comunicação.

Quais as conclusões que destacaria como mais surpreendentes da edição deste ano do Meaningful Media?

Este estudo procura entender a relação dos portugueses com os media e traz-nos alguns dados que nos parecem importantes de destacar. Em primeiro lugar, importa referir que os media tradicionais se posicionam, cada vez mais, como os media mais credíveis, com os canais de TV em sinal aberto, os jornais e a rádio a liderar o ranking da credibilidade. Destes meios, parece-nos importante destacar a rádio, que cresceu positivamente na perceção dos portugueses: além de ser o terceiro meio mais credível, com uma subida de dez pontos percentuais face ao ano anterior, mostra conseguir conciliar este fator com a capacidade informativa, já que subiu do quinto para o terceiro lugar no índice de utilização para nos mantermos atualizados.

Em segundo lugar, o entretenimento é um fator cada vez mais importante, com os meios que cumprem esta função a serem beneficiados nesta vaga do estudo. Apesar de a capacidade de atualização continuar a ser, atualmente, o fator que todas as faixas etárias consideram mais relevante, o fator entretenimento tem visto a sua importância aumentar, sobretudo junto das faixas etárias mais velhas. Neste ponto, as redes sociais e os canais de TV abertos continuam a ser os meios que mais entretêm, mas assistimos ao crescimento da importância dos serviços de streaming, que inclusive ultrapassaram o YouTube e ocuparam o terceiro lugar do ranking para esta dimensão. Esta é já a terceira edição do estudo Meaningful Media, e, apesar do contexto económico e social ser um pouco diferente do de 2020 e 2021, os principais hábitos de consumo de media em Portugal mantém-se constantes.

O estudo aponta um “dilema digital”: os motores de busca e redes sociais lideram o consumo, mas geram desconfiança e incómodo. Como é que os anunciantes e agências devem lidar com este dilema?

Os canais de comunicação digital têm um grande potencial de cobertura que não esperamos ver regredir. No entanto, apesar de esta capacidade ser reconhecida pelos consumidores, estes canais são vistos como menos credíveis e é onde a publicidade causa maior incómodo, devido à perceção de saturação e intrusão. Para dar resposta a este dilema, cabe aos anunciantes e às agências selecionarem de forma criteriosa o contexto em que comunicam e as plataformas de comunicação que utilizam. É crucial que tenham bem definidos os objetivos e bem apuradas as ferramentas de targeting, de forma a reduzir a saturação e a aumentar a confiança.

Os media tradicionais vão continuar a coexistir com estas plataformas, utilizando-as, inclusive, como forma de se potenciarem.

Neste contexto, como é que os media ditos tradicionais se podem posicionar para aumentar a sua relevância para os anunciantes?

Qualquer movimento que torne os canais tradicionais mais relevantes para os consumidores deverá ter reflexos sobre a sua relevância junto dos anunciantes. Por outro lado, sabemos que conveniência, informação e entretenimento são alavancas importantes de indispensabilidade. Um exemplo óbvio é o caso concreto dos jornais: muito credíveis, mas com uma perceção de indispensabilidade prejudicada pela fraca associação a entretenimento, ao contrário dos canais de TV generalistas ou das estações de rádio. Efetivamente, estas últimas têm tido a capacidade de se reinventar, mantendo elevados níveis de relevância junto dos consumidores.

Em simultâneo, num mundo onde se fala muito de desinformação e fake news, a credibilidade é um fator cada vez mais relevante para consumidores e anunciantes. Os meios tradicionais, como indiciam os resultados de credibilidade, constituem por norma um ambiente brand safe, o que os torna uma peça fundamental para os anunciantes. Assim, e embora os canais digitais tenham um apelo acrescido, dada a aparente capacidade de aferir o impacto da comunicação sobre resultados de negócio, os canais mais tradicionais mantêm-se muito relevantes.

O top de credibilidade é dominado pelos meios mais tradicionais (canais de TV abertos e jornais, com 72% e 63%, respetivamente). Destaca-se a subida de dez pontos percentuais da rádio, com 48% das respostas dos inquiridos. Como é que analisa estes dados? Que pistas podem apontar para estes meios?

Acreditamos que este movimento esteja relacionado com a perceção de credibilidade dos canais digitais, isto é, no estudo levamos os consumidores a eleger um top 3 de credibilidade e neste cenário os canais digitais perdem terreno, facto a que não serão alheias todas as notícias e polémica associadas a fake news, processos legais e questões ligadas à privacidade dos dados.

Os canais de televisão em sinal aberto e motores de busca continuam a liderar o ranking de indispensabilidade. No entanto, e face a 2021, apontam um crescimento da necessidade de entretenimento, enquanto alavanca de indispensabilidade. Esta tendência vai traduzir-se em que tipo de movimento?

Habituámo-nos a viver com elevados níveis de incerteza e estamos cansados de viver em permanente estado de alerta, o que leva os consumidores a procurarem meios que lhes permitam evadir-se da realidade, nem que seja por breves momentos. Pelo que os meios que melhor cumprem a função de entretenimento saem beneficiados nesta vaga. Por outro lado, sabemos que o contexto influencia a eficácia da publicidade e a perceção da mesma, pelo que é previsível que a procura de conteúdos de entretenimento se mantenha elevada por parte dos anunciantes. Nesta perspetiva, o aparecimento de soluções de streaming de vídeo ad funded, como a Netflix e a Disney+ têm em outros mercados, vai ao encontro desta necessidade, tanto junto dos consumidores, como junto de anunciantes.

O estudo aponta precisamente para um crescimento do consumo dos serviços de streaming e de áudio e para a intenção de manter os gastos com estes serviços. Como é que esse aumento pode impactar os restantes meios, sobretudo quando em Portugal passarem a ter publicidade?

Os media tradicionais vão continuar a coexistir com estas plataformas, utilizando-as, inclusive, como forma de se potenciarem. No caso do Spotify, apesar de os dados serem à escala mundial e não apenas relativos à realidade portuguesa, assistimos nos últimos anos a um crescimento da adesão dos consumidores, tanto à vertente gratuita como à vertente premium, que é paga. Mas mesmo com o crescimento das plataformas de streaming, verificámos que o consumo de rádio aumentou. Além disso, as plataformas de streaming podem ser uma forma de os media tradicionais se potenciarem. Por exemplo, verificamos que os podcasts mais ouvidos em Portugal correspondem a rubricas de rádio e são vários os casos de séries originalmente criadas para canais de TV abertos que passam posteriormente a estar disponíveis em plataformas de streaming. Os media tradicionais têm uma oportunidade de se adaptar e de acompanharem o crescimento destas plataformas, beneficiando delas.

Habituámo-nos a viver com elevados níveis de incerteza e estamos cansados de viver em permanente estado de alerta, o que leva os consumidores a procurarem meios que lhes permitam evadir-se da realidade, nem que seja por breves momentos.

As redes sociais continuam a assumir um peso muito relevante na busca de entretenimento. Como é que antecipa o consumo este ano?

Antecipamos que o consumo de redes sociais se mantenha elevado, o que muda são as plataformas. Isto é, assistimos a uma pulverização das opções usadas pelos consumidores, muitas delas com uma finalidade muito específica, como por exemplo o Discord ou Twitch, para a comunidade gamer. Por outro lado, também se verifica uma alteração da dimensão dos maiores players deste universo, com um crescimento notável do TikTok – entretenimento rápido e fácil de filtrar -, do Twitter, apesar da recente controvérsia, e Pinterest, a par de um abandono progressivo do Facebook por parte das camadas mais jovens. Uma das principais interrogações prende-se precisamente com a evolução do Twitter e plataformas alternativas. Por outro lado, as motivações para usar redes sociais têm vindo a evoluir, mas a necessidade de preencher tempo livre continua a estar no top, com valores superiores a 50% (de acordo com o GWI).

O estudo Meaningful Media é feito pelo terceiro ano. Numa frase, qual a principal alteração neste período?

Embora a perceção de indispensabilidade permaneça intimamente ligada à capacidade de atualização, a necessidade de entretenimento ganha peso, sobretudo junto de faixas mais velhas.

Como base nestes dados, que conselhos daria a meios e também a anunciantes?

Todos queremos o mesmo: manter a relevância e criar ligações duradouras com os consumidores. E, neste sentido, é muito importante que tenhamos uma abordagem cuidada, ou mindful, à comunicação, procurando captar a atenção dos consumidores no contexto certo, com a mensagem e formato esperados, minimizando o incómodo. E procurando criar a melhor experiência possível. Esta ambição tem implicações diferentes para meios e anunciantes, mas acreditamos que uma gestão atenta de formatos, conteúdos e contextos, dos níveis de saturação publicitária, aliados a uma monitorização contínua de resultados, são o caminho para uma comunicação eficaz.

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