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Lusofonia: equívocos, parcialidades e omissões

O conceito de “lusofonia” arrisca-se a perder o seu inegável potencial agregador e capaz de corresponder aos interesses dos países e comunidades ligados pelo uso da língua portuguesa, por causa dos equívocos, parcialidades e omissões que têm impossibilitado a sua plena e descomplexada operacionalização, em prol dos interesses comuns dos seus cidadãos.

O primeiro equívoco resulta de um certo complexo de superioridade de setores da antiga potência colonizadora (Portugal), em parte partilhado pelas elites brasileiras dominantes (na sua esmagadora maioria de origem europeia) e que leva a como que acantonar no conceito de “lusofonia” apenas os países africanos falantes de português, assim como Timor. Apenas para dar um exemplo, é por isso que, em certas universidades portuguesas, era comum até pouco tempo (já não é mais?) a existência de departamentos de literatura portuguesa, departamentos de literatura brasileira e departamentos de literaturas lusófonas, assim mesmo, junto e atacado, como se fossem uma coisa só e, mais grave, como se as literaturas portuguesa ou brasileira também não fossem lusófonas.

O segundo equívoco é a hesitação das autoridades dos países africanos falantes de português em operacionalizar a sua pertença a um grupo de países unidos pelo uso da mesma língua – o que não é um fator despiciendo – para fazer valer os seus interesses; incomodados com as várias manifestações do complexo superioridade luso-brasileiro, a tendência é ignorar o óbvio potencial aberto por essa possibilidade, alimentando falsas dicotomias (por exemplo, lusófono versus bantófono), que não têm qualquer correspondência com a realidade social dos nossos países, os quais são, ao mesmo tempo, bantófonos e lusófonos.

O mais sintomático é que a maioria dos países africanos falantes de português, embora não deixem de manifestar esse mal estar, a meu ver injustificado, com o conceito de “lusofonia” (o que não lhes tira razão em relação a certas práticas, o que não é exatamente a mesma coisa), pouco ou nada fazem, também, para se relacionarem e integrarem de facto com o resto do continente africano, a começar por eles próprios (os “Cinco”, enquanto comunidade, praticamente não existem mais; os laços que se mantêm são muito mais fruto de iniciativas dos próprios cidadãos e menos dos governos e instituições oficiais).

A prática institucional, por conseguinte, não chega a ser nem lusófona nem bantófona, quando deveria ser tudo isso e muito mais.

Quanto às parcialidades que, muitas vezes, é possível observar nas iniciativas realizadas em nome da lusofonia, elas partem, segundo se queixam, em privado, os países africanos, do eixo Portugal-Brasil. Um dos principais reparos feitos no âmbito da CPLP, por exemplo, é que as propostas africanas dificilmente são aceites, em detrimento das propostas luso-brasileiras. Isso faz-me voltar a algo que mencionei atrás: a necessidade de os países africanos falantes de português se articularem, não apenas para retirar do conceito de “lusofonia” eventuais ressonâncias neocoloniais (mais simbólicas do que literais, mas nem por isso menos efetivas), mas sobretudo para, sem prejuízo de outras alianças e parcerias, fazerem da cooperação entre os países e comunidades de língua portuguesa um instrumento estratégico para a defesa e concretização dos seus interesses, internos e externos.

A ausência de uma atitude efetiva nesse sentido é talvez a principal omissão que impede a plena materialidade do conceito de lusofonia. A verdade é que a língua portuguesa, além de já ser a língua maioritária em países como Angola, é igualmente o primeiro idioma de comunicação internacional dos cinco países africanos que a utilizam. A internacionalização dos nossos países (ou, dito de outro modo, a defesa dos nossos interesses externos) começa em português, embora, como é óbvio, não se esgote nessa língua.

A terminar, não resisto a uma provocação a todos aqueles que têm da cultura uma visão essencialista e não histórica: mais do que luso-brasileira, a lusofonia é africana. É uma questão de números: a esmagadora maioria dos falantes atuais de português é composta por africanos e brasileiros, sendo que, de acordo com as cifras oficiais, 56% destes últimos é de origem africana (desse percentual, 80% têm ancestrais em Angola); por causa disso, as mudanças na variante maioritária da nossa língua comum foram influenciadas pelas línguas bantus levadas principalmente pelos antigos escravos angolanos; o processo de formação das variantes africanas do português, em curso, acentuará inevitavelmente essa mudança.

 

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